“As histórias nos permitem ver e ser vistos, e ver é a maior forma de amor humano”. Essa foi uma das falas da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi em sua passagem pelo Brasil, no início de maio. A autora voltou ao país para participar da quarta edição do LER – Salão Carioca do Livro, no Rio de Janeiro. Durante a visita, a escritora participou de uma coletiva de imprensa e de uma conferência no Maracanãzinho, reunindo mais de 3.000 pessoas. Nós, da Usina, tivemos a oportunidade e o prazer de acompanhar ambos os eventos.
A palestra “Contando histórias para empoderar e humanizar” teve a abertura a cargo de Luana Genot, jornalista, empresária e ativista e, ainda, a participação do espetáculo Vozes Negras: A Força do Canto Feminino, que apresentou músicas de cantoras pretas brasileiras. Bruna Reis, diretora da LER, agradeceu a presença do público e expressou a alegria de receber a autora de Americanah, Meio sol amarelo e Hibisco roxo. A conferência foi mediada pela filósofa Djamila Ribeiro.
“Ler me fez acreditar na universalidade da experiência humana”
Chimamanda abriu o seu discurso falando sobre a sua relação com a leitura. Para ela, o hábito de ler, muito influenciado pelo seu pai, além de ser um refúgio, é também uma forma de compreender a experiência humana. “A leitura me deu confiança. Pensei na literatura como minha religião porque é por ela que tenho as lentes do mundo. Eu leio para aprender sobre o mundo e para não me sentir sozinha. Quando criança, lia livros sobre todos os temas. E foi ler que me fez acreditar na universalidade da experiência humana. As histórias podem humanizar e nos dar confiança”.
“A história que o Brasil conta a si mesmo, para mim, não parece ser completa”
Quando houve um espaço de perguntas do público, a autora foi questionada sobre como ela via a falta de publicação de escritores negros no Brasil. Ao responder, Chimamanda relembrou da sua primeira visita ao país. “Uma das coisas que me chocou, em 2008, foi a ausência de pessoas negras, pois eu sabia que o Brasil tinha uma população negra enorme. O que mudou após esses anos, é que eu vejo mais representatividade. Eu também sei que, comparado a 2008, as mulheres negras são publicadas. O Brasil é um país adorável, mas ele ainda não observou que o passado não é passado. A história que o Brasil conta a si mesmo, para mim, não parece ser a história completa. Espero que daqui a dez anos tenhamos mais livros, mais progresso, mais história. Precisa incluir o fato de que o país tem raízes profundas de pessoas que foram trazidas da África”.
“É importante contar uma história completa, pois contá-la pela metade é essencialmente mentir”
Ainda durante sua fala, Chimamanda ressaltou a importância de ouvir os dois lados de toda e qualquer narrativa. Para ela, as histórias podem humanizar e dar confiança, portanto, é preciso contá-las de forma íntegra. “A gente pode usar as histórias para ressignificar as nossas dignidades e restaurar o nosso passado. É importante contarmos a história completa porque contá-las pela metade é essencialmente mentir”, disse.
A autora nigeriana ainda exemplificou sua fala com a realidade brasileira. “Se você conta histórias de pessoas que moram nas favelas cariocas sem mencionar as políticas públicas que as levaram àquelas condições, você está mentindo. E as mentiras têm consequências. Todo ser humano deveria ser visto e são as histórias que nos permitem ver e ser vistos. Ver é a maior forma de amor humano”, finalizou.