Julho das Pretas: o papel das lideranças femininas na luta da educação antirracista

Conheça histórias de luta, os desafios, os avanços e as perspectivas para o futuro da educação (Imagem: Freepik)

Conteúdo produzido pela Usina da Comunicação para o Projeto SETA

O sétimo mês do ano marca a celebração da campanha “Julho das Pretas”, cujo foco é o fortalecimento da ação política coletiva e autônoma das mulheres negras nas diversas esferas da sociedade. A data foi criada em 2013, pelo Odara – Instituto da Mulher Negra e é encerrada no dia 25, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

O Projeto SETA – iniciativa da ActionAid e que visa transformar a rede pública escolar brasileira em um ecossistema de qualidade social antirracista – conta com a atuação de diversas líderes femininas e pretas e, elas possuem um papel fundamental na luta a favor da educação antirracista. As profissionais colecionam ao longo de suas trajetórias histórias de luta, desafios, avanços e, sobretudo, perspectivas para o futuro da educação. 

Desafios como a violência de gênero marcam trajetória

Ana Paula Brandão é gestora do Projeto SETA e Diretora Programática da ActionAid. A historiadora e mestre em Comunicação e Cultura, iniciou a sua trajetória durante uma experiência profissional no Canal Futura, quando foi convidada para liderar o projeto “A Cor da Cultura”, um dos planos pioneiros de apoio à lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar. Ao longo de sua carreira, Ana Paula vem lidando com diversos obstáculos, desde a falta de conhecimento de gestores acerca da relevância e da urgência da educação antirracista, até o processo vivenciado no passado recente, de negação de direitos, de violência de gênero e de congelamento de investimentos. 

“Houve, sem dúvidas, avanços nas últimas décadas: temos um marco legal muito significativo, muitos dados e informações que sustentam a nossa incidência por políticas públicas, além  dos movimentos sociais fortes e atuantes. Mas, não avançamos na rapidez necessária. Também há uma desigualdade educacional latente. Sofremos com exclusão escolar, com defasagem idade-ano, com a trajetória escolar dos estudantes negros, ainda bastante atravessada por problemas estruturais causados pelo racismo e sexismo”, analisa. 

Percepções das desigualdades constroem educadores antirracistas

Ednéia Gonçalves é coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa, a organização integra a aliança do Projeto SETA. A líder se dedica à formação de educadores, de jovens e agentes culturais.  Fora isto, é socióloga, educadora popular e lida com os desafios do racismo cotidiano. 

“Como professora preta, de estudantes pretos, e moradora de periferia, eu podia não dar o nome de educação antirracista para o que eu fazia. Porém, hoje, tenho total consciência de que o ensino desenvolvido por mim era, sobretudo, antirracista”. 

Para a educadora, o que constrói uma professora antirracista é, em primeiro lugar, a percepção das desigualdades e da necessidade de a formação cumprir a sua função social, de possibilitar a construção de aprendizagens significativas a todas as pessoas. 

Apesar da morosidade da implementação efetiva da educação antirracista nas instituições de ensino, Ednéia almeja bons frutos para o futuro. 

“Meu desejo é conseguirmos que os fundamentos do antirracismo sejam feitos de uma forma mais tranquila, façam parte da formação dos profissionais, consigam alcançar os estudantes das universidades que entram por cota e continuam precisando de acolhimento para prosseguir na sua formação acadêmica, e, também, sejam capazes de encontrar os pesquisadores, as pesquisadoras, os formadores das universidades, para, ao longo desse processo, atingirmos os sonhos do movimento negro”, salienta. 

Nos espaços da educação se aprende que a luta coletiva possibilita transformações 

Suelaine Carneiro é coordenadora do Programa de Educação do Geledés – Instituto da Mulher Negra,  outra organização que compõe o projeto SETA, socióloga e mestre em educação. Sua atuação no campo do ensino antirracista se deu a partir do incômodo de ser negro na sociedade. 

De acordo com Suelaine, desde muito cedo se percebe a diferença de tratamento e expectativas em relação à presença de pessoas negras. “Por conta desse incômodo e as dificuldades de conseguir compreendê-lo, decidi cursar sociologia, pois precisava encontrar respostas. Também aprendi a pesquisar esse fenômeno, esse grande problema que é o racismo, e a estudar sobre ele, a fim de entender e construir caminhos, saídas, e, principalmente, formas de enfrentá-lo”. Na visão da socióloga, são nesses espaços da educação, em particular do movimento negro, onde se aprende que a luta coletiva possibilita transformações que individualmentenão são possíveis.

Movimento negro contribui com as políticas públicas

Givânia Maria Silva é quilombola de Conceição das Crioulas, em Pernambuco, e Coordenadora do Coletivo Nacional de Educação da CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos -, entidade que também integra a aliança do SETA. Givânia é professora, pesquisadora e a primeira mulher de seu território a cursar o Ensino Superior. 

Para Givânia, a sua principal atuação se dá numa perspectiva de combate permanente ao racismo, seja pela educação ou por outros mecanismos. Até hoje, um dos principais desafios enfrentados pela educadora é ter nascido em uma comunidade quilombola e, com isso, combater o racismo. 

“Diria que todas as pessoas negras convivem com essa realidade. Então, a questão maior é viver numa sociedade cujo racismo domina a mente das pessoas, onde a cor determina o seu pertencimento étnico-racial, o seu território determina o que você pode ou não ser ou almejar”, ratifica. De acordo com a educadora, o movimento negro, seja urbano ou rural, é uma potência, e tudo o que o governo brasileiro no campo das políticas públicas tem o DNA desse movimento.