Moscas podem ajudar no monitoramento de surtos de doenças
Um time internacional de cientistas do Brasil, Singapura, Estados Unidos e Alemanha sugere que moscas varejeiras e moscas domésticas podem ajudar no monitoramento ambiental de patógenos e prevenir surtos. Os resultados da pesquisa liderada pela Dra. Ana Carolina Junqueira, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pelo Dr. Stephan Schuster, professor da Universidade tecnológica de Nanyang em Singapura, foram publicados, no dia 24 de novembro, no periódico Scientific Reports, do grupo Nature.
A pesquisa descreve o conteúdo de microorganismos (conhecido como microbioma) existente em moscas coletadas em diferentes ambientes no Brasil, Estados Unidos e Singapura. Os pesquisadores mostram que microorganismos patogênicos podem pegar carona com as moscas, sendo transferidos de locais contaminados para habitações humanas, animais e plantas. As moscas funcionariam como um pequeno avião, onde os passageiros a bordo seriam, na verdade, as bactérias. Assim, no momento que a mosca balançasse uma perna, por exemplo, as bactérias seriam transferidas para o ambiente.
Vetor biológico x vetor mecânico
Os mosquitos e as moscas são insetos considerados vetores, ou seja, são capazes de transmitir agentes infecciosos, tanto de forma passiva (quando o vetor não é infectado pelo agente infeccioso, mas o transporta para um hospedeiro que pode ser infectado), quanto de forma ativa, quando o agente infeccioso se desenvolve e se multiplica no vetor, que então infecta um novo hospedeiro.
Tanto mosquitos quanto moscas são vetores. Enquanto o mosquito é um vetor biológico, pois é necessário para a multiplicação de agentes etiológicos (causador da doença), a mosca é considerada um vetor mecânico, pois funciona apenas como um meio de transporte.
Nem todo patógeno causa doença
A identificação das bactérias foi feita por meio do sequenciamento completo do material genético de 116 moscas varejeiras e domésticas. Junto com o DNA das moscas, o DNA de todos os microrganismos carregados por elas também foi sequenciado e permitiu a identificação de centenas de espécies de bactérias, incluindo algumas que podem causar doenças em humanos.
Uma destas bactérias é a Helicobacter pylori, um patógeno humano que pode causar úlceras no estômago e é o maior fator de risco para o desenvolvimento de câncer gástrico. A via de disseminação conhecida desta bactéria inclui o contato com fluídos humanos ou o contato direto com pessoas infectadas. Esta é a primeira vez que uma nova via de disseminação de H. pylori é proposta, mediada por moscas como vetores da bactéria.
Apesar disto, nem todas as bactérias são perigosas. A Dra. Ana Carolina Martins Junqueira, atualmente professora de genética na Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora principal do trabalho, sugere que as moscas são parte importante do ecossistema, agindo como decompositoras. Neste processo, vão a locais extremamente sujos e contaminados, mas também tem contato com hospedeiros que podem ser infectados. “As moscas varejeiras e domésticas possuem cerdas por todo o corpo, onde os microorganismos podem se alojar. Na prática, são um veículo otimizado para a dispersão de microorganismos”, diz Junqueira.
O Dr. Stephan Schuster, Diretor de Pesquisa do Centro de Engenharia para Ciências Ambientais e da Vida na Singapura (Singapore Centre for Environmental Life Sciences Engineering – SCELSE) ressalta que “o estudo mostrou que bactérias pegam carona com moscas varejeiras comuns, presentes em todo o planeta. As moscas adquirem seu microbioma pelas patas e distribuem por todo seu corpo, como se tivessem se penteando. Ao pousar em outras superfícies, elas dispersam as bactérias”.
Moscas podem servir como vigilantes da saúde pública
O time vai além de demonstrar o potencial de moscas como vetores de patógenos. Eles acreditam que a nova técnica de análise proposta no artigo coloca as moscas a serviço da saúde pública e programas de monitoramento de vetores. Eles sugerem que moscas “limpas”, livres de microorganismos, podem ser soltas e recapturadas, trazendo com elas informações valiosas a respeito da presença de microorganismos em qualquer ambiente. “Elas funcionariam como mini-drones autônomos para monitoramento ambiental e são muito mais eficientes para encontrar locais contaminados do que nós”, diz Dra. Junqueira.
Ao serem atraídas por iscas e recapturadas, as moscas podem ser sequenciadas e dar pistas do tipo de bactérias presentes em um ambiente, agindo como um sistema de alerta. “Estes drones autônomos podem ser particularmente úteis na agricultura, por exemplo, se quisermos detectar um surto precocemente”, frisa o Dr. Schuster. “Por meio do monitoramento regular, podemos saber se um patógeno está infectando a lavoura e tem potencial de causar um surto, de modo que o tratamento pode ser feito localmente para erradicar um patógeno específico, deixando outras partes do ecossistema intacto”.
Até o momento, mecanismos de controle de vetores mecânicos tem sido negligenciados tanto por políticas de saúde pública como pela comunidade acadêmica. Este trabalho é um ótimo exemplo de como a investigação proveniente da pesquisa básica pode contribuir para o nosso conhecimento sobre epidemiologia e disseminação de doenças, sendo também traduzido em novas tecnologias aplicadas para o monitoramento ambiental no futuro.
A amplitude do estudo foi possível graças a novas tecnologias de sequenciamento de DNA, que permitem que mesmo pequenas partes das moscas, como patas e asas, fossem sequenciada. Os pesquisadores primeiramente atraíram as moscas com iscas e imediatamente as congelaram em tubos estéreis. As moscas foram então colocadas em uma máquina que sequencia o DNA e os resultados foram analisados em um supercomputador. O material genético da mosca é filtrado e o que sobra é o DNA que pertence ao microbioma, que então é analisado comparativamente em bancos de dados com milhões de sequências de organismos conhecidos. Esta abordagem permitiu que os pesquisadores alcançassem a diversidade de microorganismos presentes em moscas de vários lugares do mundo e diferentes ambientes de forma inovadora.