Falta de reajuste do SUS para Diálise Peritoneal somado aos atrasos de pagamento provoca fechamento de vagas para os pacientes renais

O esgotamento do setor renal em Brasília, ao contrário do que pacientes e profissionais de saúde desejam, parece chegar ao seu limite. Além da problemática relacionada à Hemodiálise (HD), a Diálise Peritoneal (DP) também se aproxima do colapso absoluto.
Cerca de 400 pacientes do Sistema Único de Saúde do Distrito Federal que dependem da DP para sobreviver passam por momentos de tensão e insegurança. Atrasos constantes por parte do GDF no repasse da verba às clinicas que atendem pelo SUS e a falta de reajuste de 14 anos por parte do Governo Federal para os insumos fornecidos pelas indústrias tornam a terapia inviável.
No Brasil, há apenas duas empresas que fornecem os kits para a realização da DP. Ambas estão limitando a entrada de novos pacientes em seus programas. Centenas de clínicas pelo país estão sendo atingidas.
Renais em Brasília
A Soclimed, que atua em Brasília há 33 anos, é um exemplo da triste realidade da região. A clínica já deixou de atender 70% das vagas dos pacientes renais de Diálise Peritoneal. Há três meses a clínica concretizou um destrato com o SUS devido aos constantes atrasos de pagamento pelo GDF.
“São situações que impactam diretamente a gestão e a estrutura da clínica. Além da questão da falta de reajuste para a DP há 14 anos, aqui, no GDF não há cumprimento das datas de pagamentos das faturas do SUS para os atendimentos clínicos. Os atrasos se estendem por meses. Fica impossível administrar uma clínica dessa maneira. Estamos lidando com vidas. Todo o segmento está abandonado: indústria, clínicas e, principalmente, os pacientes”, afirma a Dra. Alessandra Alves de Sousa, diretora-executiva da Soclimed.
A clínica, que atendia a 40 pacientes em Diálise Peritoneal, já entregou 28 vagas ao GDF. “É de se lamentar o quadro que nos encontramos. A DP é uma terapia fundamental, inclusive para os pacientes candidatos a transplante e pacientes pediátricos. Sem falar dos ganhos emocionais e sociais que a terapia proporciona aos doentes”, comenta a nefrologista.
Pacientes são os que mais sofrem com o descaso do Governo
Gilson Nascimento, diretor-geral da Abrasrenal (Aliança Brasileira de Apoio à Saúde Renal) afirma que o setor da nefrologia vive seu pior momento e, que na ponta quem mais sofre são os pacientes, que precisam da terapia para sobreviver.
“No Brasil, nos últimos 10 anos, houve um crescimento de 71% de pacientes renais, porém o número de clínicas cresceu apenas 16%. Fica claro que os pacientes estão sem assistência adequada. Em Brasília estamos vivendo dias de agonia e medo. A Hemodiálise, mais conhecida da população, vive uma tragédia. E a Diálise Peritoneal, menos conhecida, mas não menos importante, vai acabar. Existe hoje um limite de acesso de novos pacientes, pois o Governo Federal não reajusta os kits da terapia, o que está tornando a terapia insustentável. Os pacientes estão desamparados pelo Governo Federal há anos. Em apenas 4 meses deste ano já tivemos uma queda de15% no número de pacientes da DP. É um número assustador. Neste ritmo, em breve a terapia deixará de existir”, lamenta Gilson.
Cenário nacional
Hoje, no Brasil, a terapia encontra um grande limitador para a sua manutenção e expansão: desde 2003, não há qualquer reajuste por parte do SUS aos kits de tratamento fornecidos pelas indústrias. Em paralelo, o Brasil atravessa uma inflação crescente e uma significativa desvalorização cambial, em que os custos operacionais, tais como água, energia, frete, mão de obra, entre outros, tiveram aumentos substanciais.
Os valores concedidos desde então são: DPAC (Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua) R$ 1.791,56 e DPA (Diálise Peritoneal Automatizada) R$ 2.342,81. O reembolso da terapia no Brasil é o menor comparativamente com os demais países da América Latina.
O número de pacientes de DP no Brasil caiu 11% no último ano. É esperado que essa queda seja ainda mais acelerada nos próximos 12 meses se a situação do reembolso não for resolvida.
O que é Diálise Peritoneal? É o procedimento que substitui a função dos rins em pacientes com falência renal crônica. A Diálise Peritoneal (DP) utiliza o revestimento do abdômen – membrana peritoneal – possibilitando a retirada do excesso de água, resíduos e substâncias químicas acumuladas no organismo do paciente. Na DP, uma solução de diálise flui para dentro da cavidade peritoneal através de um cateter, que é implantado no baixo-ventre por meio de um procedimento cirúrgico de pequeno porte. A solução de diálise permanece no interior da cavidade peritoneal por algumas horas permitindo que os resíduos tóxicos acumulados no sangue sejam transferidos para o líquido. Ao final deste tempo, a solução saturada é drenada e substituída por uma nova. Este processo é chamado de “troca” de bolsas de solução de diálise. A DP é realizada em ambiente domiciliar pelo próprio paciente, após receber treinamento específico da equipe de saúde da clínica de diálise responsável pelo mesmo. Além disso, é a terapia mais recomenda pelos nefrologistas para o tratamento de pacientes pediátricos. Pode ser realizada de duas maneiras:
• Manualmente – DPAC (Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua)
• Automaticamente – DPA (Diálise Peritoneal Automatizada)
Na DPAC, a maioria das “trocas” de bolsas ocorre durante o dia. Habitualmente, realizam-se quatro a cinco trocas por dia. O médico prescreve o número de trocas que serão necessárias por dia para proporcionar um tratamento de diálise adequado. Cada troca demora cerca de 20 a 30 minutos. Os tempos de troca podem variar ligeiramente para se ajustarem à sua rotina, sobretudo se o paciente trabalha ou estuda.
Na DPA, a maioria das “trocas” de bolsas ocorre à noite, com a ajuda de uma máquina chamada cicladora. O doente fica ligado à cicladora durante cerca de 8 a 10 horas. O fluido de DP é administrado através de um conjunto de tubagem especial, da máquina ao paciente. A cicladora drena e enche de novo a cavidade peritoneal.
A diálise peritoneal é um tratamento contínuo realizado sete dias por semana. O paciente de DPAC tem liberdade para manter todas as atividades usuais de sua vida diária no intervalo entre as “trocas” das bolsas. Na DPA, a maior parte do dia o paciente esta livre, já que habitualmente a terapia é realizada à noite, enquanto o paciente dorme.
A diálise peritoneal é um tratamento suave. Os resíduos acumulados, a água e os eletrólitos (sódio e potássio) excedentes são removidos lenta e continuamente do organismo.
De quatro a seis semanas, os pacientes comparecem às unidades de diálise responsáveis pelo seu tratamento para avaliação do médico e acompanhamento através de exames rotineiros.